domingo, 25 de fevereiro de 2024

Profissão e ofício de Dom Quixote por ele mesmo


[...] E quero que saiba vossa reverência que eu sou o cavaleiro da Mancha, chamado Dom Quixote, e é meu ofício e exercícios andar pelo mundo reparando afrontas e desfazendo agravos.

 

[...] Eu, meus caros senhores, sou cavaleiro andante, que tem as armas por ofício e professa o socorro dos necessitados e desvalidos.

 

[...] Vos prometo meu socorro e amparo, como me obriga minha profissão que não é outra que defender os desvalidos e necessitados.

 

[...] Aqui se enquadra o exercício de minha profissão: desfazer opressões e socorrer os miseráveis.

 

[...] Pois o negócio principal de minha profissão é perdoar os humildes e castigar os soberbos, digo, socorrer os miseráveis e destruir os cruéis.

 

Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616)

 


Dom Quixote de la Mancha. Tradução e notas de Ernani Ssó. Penguin, Companhia das Letras[U1] 

 

https://itaudeminas.mg.gov.br/arquivos/ere/livros/Dom-Quixote-Miguel-de-Cervantes.pdf


 [U1]

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Não podemos conhecer nossos filhos

 _ Nós não temos tempo de conhecer os nossos filhos!

Sessão de um sindicato regional. Mulheres, homens, operários de todas as idades. Todas as cores. Todas as mentalidades. Conscientes. Inconscientes. Vendidos

Os que procuram na união o único meio de satisfazer as suas reivindicações imediatas. Os que são atraídos pela burocracia sindical. Os futuros homens da revolução. Revoltados. Anarquistas. Policiais.

Uma mesa, uma toalha velha. Uma moringa, copos. Uma campainha que falha. A diretoria.

Os policiais começam sabotando, interrompendo os oradores.

É um cozinheiro que fala. Tem a voz firme. Não vacila. Não procura palavras. Elas vêm. Os cabelos nos olhos bonitos. Camisa de meia suada, agita as mãos enérgicas. Estão manchadas pelas dezenas de cebolas picadas diariamente no restaurante rico onde trabalha.

_Nós não podemos conhecer os nossos filhos! Saímos de casa às seis horas da manhã.  Eles estão dormindo. Chegamos às dez horas. Eles estão dormindo. Não temos férias! Não temos descanso dominical.

[ ] Um operário da construção civil grita::

_ Nós construímos palácios e moramos pior que os cachorros dos burgueses. Quando ficamos desempregados, somos tratados como vagabundos. Se só temos um banco de rua  para morar, a polícia nos prende. E pergunta porque não vamos para o campo.. Estão  dispostos a nos fornecer  um passe  para morrer de chicotadas no "mate-laranjeira".



 Patrícia Galvão (Pagu) 1910-1962

Parque industrial. São Paulo: Companhia das Letras  

 


sábado, 23 de setembro de 2023

É preciso despertar

 Tu trabalhador desta multiempresa. 

Tu de gravata e paletó. 

Tu de macacão. 

Tu que mal sentes 

o sol em teu corpo.

Tu que trabalhas em 

grandes salas subterrâneas 

e não vê a luz do dia. 

Tu que mal sentes 

o cheiro do bife e 

do macarrão acebolados.

 Tu que vives entre birutas, 

máscaras, e extintores. 

Tu que te chocas 

quando ofendem o teu Senhor. 

Tu que trabalhas entre mesas,

 máquinas de calcular, clipes, 

lápis, canetas, parafusos, 

computadores, soldadoras, 

prensadoras, pregos, empilhadeiras, 

ventiladores, embaladoras. 

Não permitas que os gritos 

de teu chefe sejam mais altos 

que aqueles, desgraçadamente, 

emitidos por ti contra tua 

companheira, tua amante, 

teus filhos, e teus cachorros. 

Luta pela valorização 

de teu trabalho.

 Luta pelo respeito. 

Reivindica a recompensa 

digna de tua mão de obra. 

Não permitas que tua família 

se destrua depois de tua morte. 

Tu que engoles poeira, 

ácidos, gases tóxicos.  

Tu que tens 

teu corpo exposto 

às máquinas trituradoras,

às explosões, 

Para e pensa.


Celso de Alencar (1949-)

Opiniães – Revista dos Alunos de Literatura Brasileira. São Paulo, ano 12, n. 22, jan.-jun. 2023. 

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Motoboy

jovem
saudável
com iniciativa
prestativo
disposto 
expedito 
bem-humorado
veículo próprio
procura

superior
para lhe
dar ordens
ambíguas
o reprimir
explorar
humilhar
castigar

jovem
e necessitado
(a cidade
não é obstáculo)
pau pra toda obra
faz tudo

hora extra
trabalho sujo
carrega piano
dá a cara
pra bater.

Ruy Proença (1957-)

Caçambas. São Paulo: Editora 34. 2015. p  87-88.

 Em  Opiniães – Revista dos Alunos de Literatura Brasileira. São Paulo, ano 12, n. 22, jan.-jun. 2023